Renault Emblème: laboratório para reduzir emissões
- Pedro Junceiro
- 16 de abr.
- 7 min de leitura
Atualizado: 29 de abr.
À pergunta “como seria um automóvel quase neutro em emissões de carbono se fosse produzido hoje?”, a Renault responde com o Emblème, “protótipo” elétrico e a hidrogénio visionário em soluções que buscam reduzir as emissões inerentes à produção de automóveis sustentáveis. É apenas um “laboratório rolante”, mas os modelos vindouros terão muito do Emblème em si.
Para a Renault, o tema da descarbonização aplicado à indústria automóvel não pode ser abordado apenas do ponto de vista do veículo em si, mas sim a partir de um conjunto integrado de áreas, desde o princípio ao fim de vida do veículo, incluindo ainda áreas como a da extração de materiais, a sua produção e o tratamento de resíduos em fim de vida. Esta é a visão por detrás do Emblême, modelo conceptual da Renault que serve de “laboratório rolante” que combina a visão eletrificada com o hidrogénio.
Mais do que falar sobre todas essas etapas de um automóvel – eco-design, seleção de recursos, produção, uso e fim de vida –, a Renault, através da divisão Ampere, criou um exemplo de como seria a abordagem destes cinco aspetos aplicados ao automóvel, com o Emblème a ser a visão de um modelo familiar de muito baixo-carbono com emissões globais de CO2 reduzidas em 90% comparativamente com um modelo equivalente à venda atualmente.
Enquanto automóvel futurista e visionário, o Emblème alcança uma redução de 70% na pegada de carbono na produção de todas as peças (entre aço, alumínio, plásticos, pneus, vidro e eletrónica). Para levar a cabo este projeto, tendo em conta o “caderno de encargos”, a marca escolheu uma série de parceiros, como a AKWEL (puxadores inovadores e de baixo peso), Autoneum (criação de revestimentos absorventes, como a carpete do interior), ArcelorMittal (transformação e produção de aço), Constellium (transformação e produção de alumínio), Dicastal (jantes de liga leve), Forvia (interior), Forvia Hella (faróis), Michelin (pneus), STMicroelectronics (eletrónica), Valeo (componentes) e Verkor (bateria).
Além disso, 50% dos materiais usados na produção do automóvel são reciclados e, no final da sua vida útil, praticamente todos os materiais utilizados são recicláveis.
Se é possível ver o Emblème nas ruas em breve? A resposta da Renault é não, mas os seus ensinamentos serão aplicados no futuro. “Cada carro é um conjunto de vários tijolos e não é exequível ter um prazo para este Emblème como um todo, mas o próximo Renault já terá algumas peças deste Emblème”, afirmou Pascal Tribotté, gestor de produto com passado ligado à Fórmula 1. Entre as razões está o facto de muitos dos conceitos apresentados não terem escala de produção, sendo ainda caros em termos de produção e conceção. “O futuro e a produção em grande escala trará benefícios nos custos”, afirma ainda.

Moldado pela aerodinâmica
Engenheiros e “designers” trabalharam juntos para encontrar as melhores soluções em termos de aerodinâmica e eficiência energética. Este modelo, em estilo “shooting brake”, mede 4,80 m de comprimento, 1,52 m de altura e 2,90 m de distância entre eixos, oferecendo uma visão arrojada que é sublinhada pela cor da carroçaria verde cuja tonalidade se altera consoante a intensidade da luz e o ângulo de observação.
No exterior, o desenho foca-se na aerodinâmica, essencial para qualquer automóvel elétrico nos tempos que correm, assim como o peso, que deve ser o mais baixo possível. Para trabalhar no fluxo de ar da carroçaria, o Emblème foi concebido com a ajuda da tecnologia “digital twin” (em que um modelo digital é utilizado em paralelo com um modelo real) e de um sistema de simulação digital de última geração fornecido pela equipa Alpine F1. O resultado é um coeficiente de arrasto de 0.25 Cd, o que influencia positivamente a eficiência.
Entre as soluções aplicadas pela Renault neste modelo estão as passagens de ar entre a grelha dianteira e o capot, os puxadores das portas embutidos, a substituição dos espelhos retrovisores tradicionais por duas câmaras integradas nas cavas das rodas dianteiras, ou os limpa para-brisas escondidos na base do para-brisas.
Por outro lado, está dotado de aerodinâmica ativa em vários pontos: na dianteira, a grelha inferior abre ou fecha consoante as necessidades de refrigeração, enquanto o difusor traseiro integra um elemento ativo que roda 5 graus para cima e para baixo e inclina-se para a frente e para trás para minimizar o arrasto. Mais discreto, sobretudo pela cor negra, é o painel tapado que substitui o óculo traseiro em vidro, pelo que a visão do interior para trás é feita por uma câmara. Os pneus de 22 polegadas da Michelin foram concebidos para oferecerem baixa resistência ao rolamento.
Reaproveitar e inovar
O habitáculo do Emblème combina tecnologia moderna com uma miríade de materiais sustentáveis, resultantes de processos de economia circular e de abordagens inéditas à criação de novos materiais. Para reduzir a pegada de carbono, sem sacrificar a proteção acústica, todos os componentes foram concebidos e selecionados para reduzir o peso e tendo em conta também as emissões de gases com efeito de estufa da própria produção.
O tecido colorido que reveste o painel de bordo, a parte superior dos painéis das portas e a parte superior do encosto do banco traseiro formam um anel inspirado em cenas da natureza e em paisagens urbanas. Por outro lado, num toque poético, existem dizeres nos painéis das portas e frases como “ouverture d'esprit” (abertura de espírito) nos comandos de abertura das portas e “le voyage” (a viagem) nos encostos traseiros.

O banco traseiro tem um encosto reclinável com espaço para três passageiros, com o lugar do meio a dispor de dois apoios de braços que podem ser “armados” para uma posição mais confortável para os ocupantes laterais. O sistema áudio é composto por 14 altifalantes e foi concebido em parceria com Jean-Michel Jarre, “pai” da música eletrónica. Inclui um subwoofer na consola central e altifalantes nos apoios de cabeça para som “surround” 5.1.
Ainda em termos funcionais, mas mais na ótica das viagens, apresenta bagageira principal de 556 litros e bagageira dianteira de 74 litros.
Avançar na tecnologia
O lado da tecnologia apresenta soluções que expressam inovação a bordo sem prejudicar a utilidade. O resultado é um “cockpit” vanguardista, com ecrã panorâmico OpenR a toda a largura do painel de bordo – mede 1,2 m de comprimento e 12 cm de altura, com qualidade 8K e, de acordo com a marca, permite experiência multimédia única. A este junta-se outro ecrã tátil na consola central de comando rotativo e os comandos no volante.
A utilização de comandos por voz é suportada, incrementando também a digitalização e subtraindo alguns componentes físicos numa abordagem “Shy Tech”, advogando uma certa timidez e discrição na tecnologia. Ponto transversal, a eficiência revela-se em detalhes como a desativação automática dos LED nas zonas pretas do ecrã e regulação local da intensidade luminosa.

Híbrido elétrico/hidrogénio
Aproveitando a plataforma AmpR Medium, o grupo motriz de dupla energia está colocado na traseira, sendo alimentado ora por eletricidade, ora por hidrogénio, numa combinação que permite viagens curtas ou de longa distância. Os vários componentes do grupo motopropulsor (motor elétrico, bateria, célula de combustível e depósito de hidrogénio) situados na traseira permitem manter o centro de gravidade baixo e obter distribuição de peso ideal.
Acima de tudo, o Emblème é a expressão visual do que seria possível fazer, no momento atual, para se obter um valor de emissões de CO2 muito reduzidas em cerca de 90% do “berço até ao fim de vida” comparativamente com um carro idêntico a combustão do início desta década.

Dessa forma, atendendo ao facto de as baterias elétricas de tração terem ainda um peso “ambiental” que não é isento, os engenheiros da Renault olharam para o hidrogénio como solução. Inodoro, incolor e não corrosivo, o hidrogénio é um gás que produz eletricidade, quando queimado num motor de combustão, ou que pode ser oxidado numa pilha de combustível, libertando apenas água. Tudo isto com o benefício de contar com tempos de abastecimento muito reduzidos (um kg por minuto, valor que deverá aumentar no futuro), aproveitando, hipoteticamente, a rede de postos de combustível já existente.
A combinação entre uma pilha de combustível e uma bateria (mais compacta e mais leve) é uma forma de obter benefícios das duas tecnologias e proporcionar autonomia mais ampla. Conta, assim, com um motor elétrico de rotor bobinado - sem terras raras – de 217,5 cv (160 kW) de potência, alimentado por um sistema de dupla energia: uma bateria NMC (Níquel Manganês e Cobalto) de 40 kWh sob o piso e por uma pilha de combustível PEMFC de 30 kW, alimentada por hidrogénio com baixo teor de carbono armazenado num depósito de 2,8 kg sob o capot.

Para trajetos curtos, o Emblème recorre apenas ao sistema 100% elétrico, enquanto em viagens longas o sistema a hidrogénio assume as “despesas”, beneficiando também de células fotovoltaicas no tejadilho para melhorar a eficiência. Simulando cenários longos de viagem, a Renault indica que, cada reabastecimento de hidrogénio garante uma autonomia de 350 km.
Todavia, esta solução, como muitas outras do Emblème, é meramente exploratória em termos de potencialidades da junção do hidrogénio como combustível. Simulando uma viagem mais longa, para percorrer 1.000 km, o Emblème gastaria os 300 km de autonomia da bateria e necessitaria de dois reabastecimentos de hidrogénio, de 5 minutos, com cada um a repor 350 km.

Também a produção dos componentes foi pensada para ser mais sustentável, logo mais local e menos dependente de impactos logísticos. O grupo motriz é produzido no complexo denominado ElectriCity, em França, que compreende três polos: o motor elétrico é fabricado em Cléon, a bateria é produzida pela Verkor em Dunquerque e o invólucro da bateria é fabricado em Ruitz.
Luta contra o peso
Considerado como um dos adversários da eficiência, o peso é um dos temas em foco no Emblème. Com 1.800 kg de peso, fica relativamente abaixo de outros modelos elétricos atuais, os quais acusam mais de duas toneladas na balança. E, como reconhece a marca francesa, menos peso equivale a maior eficiência e também a menos desperdício.

Grande parte da luta contra o peso passa pela obtenção e transformação de muitos dos materiais utilizados. Por exemplo, o aço representa cerca de 70% do peso do veículo, pelo que no Emblème trabalhou-se para reduzir o peso deste componente sem afetar a sua resistência, enquanto a sua pegada ambiental é muito inferior devido ao aproveitamento de materiais reciclados e à utilização de energia verde para a sua produção.
Além disso, outro “agente” nocivo costuma ser o alumínio, aqui usado nas portas, por exemplo, mas o alumínio reciclado torna-o bem mais sustentável, sem prejudicar o peso ou a resistência.
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