Batizado com o nome de um avião, o novo topo de gama da Renault não é parco em ambições e propõe-se constituir alternativa aos SUV coupé do segmento D provenientes das marcas ditas “premium”. Para aquilatar da exequibilidade de tão exigente tarefa, ensaio ao Rafale E-Tech Hybrid 200 Esprit Alpine, em que se combinam a motorização de acesso (e única disponível até ao outono) com o nível de equipamento de topo.

A Renault, dando seguimento a uma estratégia que, não sendo inédita, não será menos profícua, tem ampliado a sua oferta de “crossovers” e Sport Utility Vehicles (SUV), acompanhando uma tendência que não dá mostras de abrandar. Mas, para criar o seu topo de gama novo, destinado ao segmento médio (D), foi um pouco mais longe: abriu o livro de memórias, recuperou o nome de um avião que bateu vários recordes de velocidade na década de 1930, e recorria a uma mecânica desenvolvida entre a própria Renault e a Caudron, e desenvolveu um SUV coupé que pretende constituir uma alternativa às propostas do género oriundas das marcas ditas “premium”.
Também por isso, justifica-se que o protagonista desta análise seja o Rafale E-Tech Hybrid 200 Esprit Alpine, modelo em que se combinam o nível de equipamento mais completo e refinado da família com a motorização híbrida já conhecida de vários outros automóveis do construtor francês – a única disponível até ao outono, altura em que chegará a derivação híbrida Plug-In, com 300 cv e tração total.
E como, do visual exterior, já muito foi dito e escrito, sumarize-se essa vertente sempre tão decisiva, deixando a arte da fotografia ilustrá-la condignamente, e fazer jus à máxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras, mas não sem algumas breves notas a propósito: as linhas mestras exibidas pelo Rafale são as que a casa de Billancourt pretende aplicar nas suas futuras criações; a invulgar configuração da carroçaria, ao estilo “fastback”, não deixará de evocar, sobretudo de perfil, alguns modelos rivais, o que se explica por ser este o primeiro Renault inteiramente desenhado por Gilles Vidal desde que assumiu a liderança do “design” da marca, em 2020, depois de ter exercido as mesmas funções na Peugeot desde 2010; ainda assim, personalidade e carácter, em termos estilísticos, é o que não falta a um automóvel que surpreende e cativa, nunca passando despercebido, graças a uma aparência muito original, distinta e dinâmica, reforçada, no nível de equipamento em apreço, pelas elegantes e imponentes jantes de 20”, e pelos acabamentos específicos.

Mais do que apenas estilo
Numa vertente mais prática, sublinhe-se que, embora a lotação seja sempre de cinco ocupantes, o Rafale partilha com o Espace novo a plataforma CMF-CD e a distância entre eixos, por isso não espantando que o espaço para bagagens e passageiros seja bastante generoso, nomeadamente atrás, onde é grande a liberdade de movimentos – além de que o formato descendente do tejadilho não obriga a grande ginástica para aceder aos lugares traseiros.
O teto panorâmico Solarbay é opcional (1500 €)
Com o enorme, e opcional (1500 €), teto panorâmico Solarbay, a altura interior até aumenta 3 cm, embora o seu principal predicado seja integrar um sistema que permite escurecer, à vontade do utilizador, as nove secções que compõem este tejadilho, inclusive mediante comandos vocais – uma das muitas funcionalidades do assistente pessoal Google Assistant integrado no sistema multimédia.
Não sendo uma solução única, é a primeira vez que é aplicada num modelo que não de luxo, e até tem gravada a silhueta do tal avião homónimo do Rafale, embora, como noutros casos, não convença totalmente: se é muito mais rápido a escurecer o tejadilho do que uma convencional cortina elétrica a o tapar, em dias de muito calor, é evidente que não bloqueia tão bem os raios solares, acabando por permitir um maior aquecimento do habitáculo.
Qualidade acima de reparos
Acima de reparos está a assinalável perceção de qualidade, que a prática confirma, graças à robustez da construção, e à maioria dos materiais utilizados, e respetivos acabamentos, tão agradáveis à vista quanto ao toque – predicado reforçado por uma decoração a condizer com o visual exterior. A vertente funcional também não foi esquecida, provando-o, por exemplo, o enorme apoio de braços entre os bancos da frente, sob o qual se encontram dois espaços de arrumação, o mais volumoso coberto por uma tampa deslizante com um manípulo que remete para o mundo da aviação, com porta-copos, tomada de 12 V e duas tomadas USB-C (que se juntam às outras tantas existentes na sua face traseira, para servir os passageiros de trás), dispondo o segundo de uma tampa bipartida de abertura vertical.

Outro dos pontos de interesse do habitáculo é o muito completo e evoluído sistema multimédia OpenR, assente no sistema operativo Android Automotive 12, e composto por dois ecrãs de grandes dimensões: o que serve como painel de instrumentos totalmente digital (12,3”), e o destinado a configurar e operar as suas inúmeras funções (12”, tátil, e montado na vertical), ambos com ótima resolução e excelente leitura, várias possibilidades de personalização, e um novo grafismo, mesmo que, na essência, seja a mesma solução já conhecida do Espace e do Austral.
Apto a permitir a instalação de até 50 aplicações, diretamente do Google Play, inclui uma novidade que muitos apreciarão, já presente nalguns Nissan: a funcionalidade destinada a configurar, de forma individualizada, alguns dos sistemas avançados de assistência à condução (e podem ser mais de trinta… ), permitindo escolher os que se pretende que estejam, ou não, ativos, bastando, de cada vez que se liga a ignição, escolher esse modo personalizado para que as opções eleitas fiquem, de imediato, ativas.

Honrar os pergaminhos
Conduzir o Rafale é, também, uma experiência gratificante, embora alguns pontos devessem ser revistos. Exemplo primeiro, o ótimo posto de condução: dominante, mas não demasiado elevado, e em que se destacam o volante (diâmetro corretíssimo e excelente pega), e os acolhedores e envolventes bancos desportivos (e com o logótipo da Alpine retroiluminado por LED nas costas, que acompanha a cor e os efeitos da iluminação ambiente). O pecado? Como noutros Renault, a insistência na montagem de três hastes no lado direito da coluna direção, potencial fonte de equívocos: por um lado, quando se quer operar a transmissão, não é raro, mormente nas manobras de estacionamento, ligar, sem querer, o limpa para-brisas; ao mesmo tempo que o vetusto satélite de comando do sistema de som está, no mínimo, datado…
Quanto à mecânica híbrida, continua a brilhar, principalmente, pelos consumos, que, em média, facilmente se situam na casa dos 5,5 l/100 km, sendo difícil superarem os 9,0 l/100 km, mesmo quando se impõem ritmos realmente intensos (em condições reais de utilização, E-AUTO registou 4,4 l/100 km em estrada, 7,3 l/100 km em autoestrada, e 5,1 l/100 km em cidade, para uma média ponderada de 5,4 l/100 km).
Aliás, como é apanágio deste tipo de solução, os valores em meio urbano chegam a ser entusiasmantes, e mais ainda quando se ativa o modo de condução Eco (também estão disponíveis as opções Confort, Sport e Perso, esta última personalizável pelo condutor), e se faz bom uso das patilhas no volante, para alternar entre os quatro níveis de intensidade da regeneração de energia em desaceleração – não esquecendo a sua capacidade para funcionar cerca de 80% do tempo em modo 100% elétrico, em utilização citadina, além de que o arranque também é sempre feito em modo elétrico.

Virtudes de um grupo motopropulsor com um rendimento combinado de 200 cv e 205 Nm, que conjuga um pequeno motor turbo a gasolina de 1199 cc (131 cv e 205 Nm), com dois motores elétricos (um de tração, com 68 cv e 205 Nm; outro, com 34 cv e 50 Nm, destinado a garantir o arranque do motor a gasolina, a carregar a bateria de alta tensão com 1,7 kWh de capacidade, e a efetuar as trocas de mudança da caixa de velocidades multimodal com tecnologia inspirada na Fórmula 1, com dentes direitos, sem embraiagem, e dotada de cinco relações mecânicas e duas elétricas, para um total de 15 combinações possíveis).
Caixa de velocidades multimodal com tecnologia inspirada na Fórmula 1
Numa utilização calma e descontraída, sobressaem a suavidade de funcionamento, a boa capacidade de resposta à maioria das solicitações do acelerador, e um apreciável silêncio a bordo, raramente se ouvindo o trabalhar do 3 cilindros a gasolina, o que confirma o bom trabalho realizado ao nível do isolamento acústico do habitáculo. Ao que há que juntar uma condução sempre fácil, segura e agradável, mesmo que o conforto de marcha, apesar de muito elevado, mesmo em mau piso, e até com jantes de 20”, e pneus de baixo perfil, não seja tão superlativo como no Espace, porque o Rafale adopta uma afinação de suspensão mais firme, e vias mais largas, além de incluir, de série, o sistema 4Control, de quatro rodas direcionais, uma direção mais direta, e o eixo traseiro multibraços.

Algo que deixa antever que o seu desempenho dinâmico, apoiado por prestações de bom nível (valores anunciados, que a prática confirma: 8,9 segundos nos 0-100 km/h; 30,6 segundos nos 0-1000 m; e 180 km/h de velocidade máxima), também é mais apurado, o que acaba por se verificar. E mesmo que, nas solicitações mais exigentes, a ritmos mais acelerados, se sintam as habituais hesitações da caixa, e uma certa lentidão na seleção da mudança ideal quando se pressiona o acelerador com decisão (algo, ainda assim, menos notório no modo Sport), nem por isso a experiência ao volante deixa de ser envolvente, graças à direção bem desmultiplicada e assistida, à frente rápida e precisa, e à excelente qualidade do amortecimento, que assegura, não só, uma enorme estabilidade em reta, como uma grande competência nas mudanças de direção, sempre imediatas.
No entanto, haverá sempre quem considere uma ousadia a Renault, enquanto marca generalista, lançar um modelo com o qual pretende concorrer com as suas rivais ditas de prestígio, tradicionais dominadoras do segmento. Mas, tudo somado, a tarefa, que poderá não parecer fácil à primeira vista, acaba por apoiar-se em dois argumentos de peso: um conjunto de atributos invejável, e um preço que dificilmente deixará indiferentes os seus potenciais compradores, pois, por 49.999 € com o nível de equipamento de topo, ou por 45.500 € na versão de entrada Techno, não há nada que se possa comprar neste segmento comparável ao Rafale E-Tech Hybrid 200, e até o IUC está no escalão mínimo, graças à cilindrada inferior a 1250 cc, e às emissões de CO2 abaixo de 140 g/km. Uma combinação de fatores que, em tese, deverá permitir que este não seja um indesejado voo de Icaro…

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